O Brasil vive um paradoxo energético difícil de ignorar. De um lado, temos uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo e um potencial extraordinário em fontes renováveis, como solar e eólica. De outro, seguimos desperdiçando uma parcela significativa dessa energia por falta de infraestrutura adequada ou desequilíbrios na oferta e demanda regionais. É a chamada taxa de curtailment, energia gerada, mas não utilizada, que já compromete a viabilidade econômica de diversos projetos e tende a crescer se não encontrarmos soluções criativas.
É justamente nesse ponto que a mineração de bitcoin pode se revelar uma aliada estratégica. No processo, novas transações da rede são validadas e novos blocos, que armazenam as informações da transação, são adicionados ao blockchain. Para viabilizar a operação, são utilizados computadores de alto desempenho, que realizam cálculos complexos e consequentemente, exigem um alto consumo de energia.
Considerando essa alta demanda para tornar o processo de mineração possível, a atividade costuma ser criticada do ponto de vista ambiental. No entanto, quando essa energia vem de fontes renováveis, sobretudo quando estão sobrando no sistema, como ocorre em momentos de curtailment no Brasil, a mineração pode ajudar a aproveitar essa energia que, de outra forma, seria desperdiçada.
O que hoje é visto como excesso, especialmente em regiões como o Nordeste, onde a geração renovável avança mais rápido do que a capacidade de escoamento, pode se tornar uma oportunidade.
A mineração de bitcoin pode funcionar como uma carga flexível, absorvendo excedentes em momentos de baixa demanda e ajudando a estabilizar o sistema elétrico. E o melhor: pode ser interrompida e retomada conforme a necessidade da rede, o que a torna ainda mais estratégica em um contexto de transição energética.
Em países como os Estados Unidos, esse modelo já está sendo testado com sucesso. No Texas, por exemplo, mineradoras desligam suas operações durante picos de consumo e voltam a funcionar nos momentos de sobra, contribuindo para o equilíbrio da rede.
Essa lógica pode, e deve, ser aplicada no Brasil, que conta com ainda mais potencial, graças à nossa matriz predominantemente renovável. O gás flared, subproduto da produção de petróleo que frequentemente é queimado por falta de alternativas comerciais viáveis, pode ser convertido em energia elétrica localmente para abastecer operações de alta demanda computacional, como a mineração de criptomoedas.
Essa estratégia transforma um passivo ambiental em fonte de receita, reduzindo emissões de metano e CO₂, ao mesmo tempo em que agrega valor a um recurso antes desperdiçado. Trata-se de uma solução que combina eficiência energética, inovação e sustentabilidade, com potencial para gerar retornos relevantes em regiões com produção de óleo e gás.
A notícia recente de que a Tether, uma das maiores empresas do setor cripto, firmou um memorando com a Adecoagro para pilotar projetos de mineração com energia renovável em solo brasileiro é um sinal claro de que esse movimento já começou. Mas, para que o projeto ganhe escala e gere benefícios reais para o País, precisamos mais do que intenções isoladas.
Mineradoras movidas a fontes sustentáveis contribuem para a descarbonização do setor, geram receita para produtores de energia e ampliam a estabilidade do sistema ao operar como consumidores programáveis. Em paralelo, o Brasil pode avançar na construção de um marco regulatório que estimule o uso inteligente da energia excedente, com incentivos à inovação e à industrialização verde.
Como em todo novo setor, ainda há desafios a vencer. É preciso fortalecer a infraestrutura de transmissão, garantir segurança jurídica e criar mecanismos que permitam a venda direta de energia entre geradores e mineradoras, com modelos de contrato atrativos e financeiramente sustentáveis. Também é necessário acompanhar a evolução tecnológica da atividade, garantindo que ela seja feita com eficiência energética e responsabilidade ambiental.
No entanto, se houver coordenação entre governo, investidores e o setor elétrico, o Brasil tem tudo para liderar essa nova fronteira. A mineração de bitcoin com energia renovável não apenas resolve o problema crescente de curtailment, como também posiciona o país na vanguarda de uma economia digital mais limpa, descentralizada e resiliente. Aproveitar essa oportunidade exige visão estratégica, mas o potencial já está aqui. Com o nosso sol, vento e engenhosidade, estamos em uma posição única para liderar esse movimento.
Por Gustavo Ayala – CEO do Grupo Bolt
Época Negócios – 14/09/2025