A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) movimentou R$ 1,34 bilhão na liquidação extraordinária do Mercado de Curto Prazo (MCP), realizada nesta quarta-feira (13/8). A operação marca o fim de um impasse que, por anos, travou recursos no setor: a judicialização do risco hidrológico.
O risco hidrológico ocorre quando, por falta de chuvas, hidrelétricas geram menos energia do que o previsto e precisam comprar eletricidade no mercado para honrar contratos, geralmente a preços mais altos. A judicialização começou quando geradoras e outros agentes recorreram à Justiça para contestar quem deveria arcar com esses prejuízos, obtendo liminares que postergaram ou suspenderam pagamentos.
Na operação, todas as usinas que adquiriram títulos no mecanismo concorrencial promovido no início do mês efetuaram os pagamentos devidos, valores que vão destravar grande parte do que estava represado devido a liminares que isentavam ou limitavam os efeitos do GSF (Generation Scaling Factor — fator que mede o risco hidrológico).
Do total arrecadado, R$ 793 milhões vão entrar na liquidação regular de setembro, dando mais fôlego ao caixa das operações do mercado. Outros R$ 551 milhões serão destinados à Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo que financia políticas públicas e ajuda a reduzir a pressão das tarifas para os consumidores.
A operação foi possível graças a um acordo que levou as geradoras a desistirem de ações judiciais em troca de benefícios como extensão de concessões. A medida foi viabilizada pela medida provisória (MP) nº 1.300/2025 e contou com o apoio do Ministério de Minas e Energia e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Segundo Alexandre Ramos, presidente do Conselho da CCEE, o acordo prepara o setor para a abertura total do mercado livre de energia — que permitirá, no futuro, que todos os brasileiros escolham seu fornecedor de eletricidade. “Com diálogo e segurança jurídica, conseguimos organizar a casa para que a sociedade tenha mais liberdade na relação com a energia elétrica”, afirmou.
A expectativa é de que o destravamento desses recursos deve trazer mais estabilidade ao setor e previsibilidade aos preços, beneficiando diretamente os consumidores nos próximos meses.
Peso dos encargos
Entre 2010 e 2024, o preço da energia elétrica no mercado regulado brasileiro saltou de R$ 112/MWh para R$ 310/MWh, alta de 177% — 45% acima da inflação acumulada no período, de 122% pelo IPCA. Os dados são de estudo da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel).
No mesmo intervalo, o mercado livre de energia, em que consumidores podem escolher o fornecedor e negociar prazo, fonte e preço, teve um aumento bem menor. O valor de longo prazo passou de R$ 102/MWh para R$ 147/MWh, alta de 44%, ou 64% abaixo da inflação.
Segundo Gustavo Ayala, CEO do Grupo Bolt, o modelo atual do mercado cativo onera o consumidor com custos que não refletem o valor real da energia. “No mercado livre, há liberdade de escolha, competição e preços mais justos”, disse.
Além do custo de geração, as tarifas do mercado regulado concentram a maior parte de encargos e subsídios do setor, pagos principalmente por residências e pequenas empresas. Em 2025, a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) deve atingir R$ 49 bilhões, dos quais R$ 47 bilhões virão de consumidores cativos. Segundo a Aneel, é o maior valor da série histórica.
O aumento representa R$ 12 bilhões a mais que o orçamento anterior e deve impactar as contas de luz em média em 5,4%, com variação de 3,85% nas regiões Norte e Nordeste e 5,76% no Sul, Sudeste e Centro-Oeste. Esses percentuais já foram parcialmente incorporados aos reajustes de 2024, mas precisarão de ajustes para alcançar o valor aprovado.
“Grande parte do que o brasileiro paga na conta de luz não é pela energia consumida, mas por uma estrutura inchada de subsídios e encargos que beneficiam poucos e penalizam o consumidor final. Essa lógica se tornou insustentável”, concluiu Ayala.
Por Rafaela Gonçalves
Correio Braziliense – 14/08/2025