Transição energética pode injetar R$ 465 bilhões na economia e reposicionar o Brasil no mercado global

Cenário Energia – 26/11/2025

Estudo aponta janela histórica para o País; previsibilidade regulatória, financiamento privado e projetos greenfield são fatores decisivos para capturar a nova onda de investimentos

A transição energética deixou de ser apenas uma agenda ambiental e se consolidou como um dos mais relevantes vetores econômicos da década. Um novo estudo produzido pelo Itaú Unibanco em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV) revela que o Brasil pode adicionar até R$ 465 bilhões ao PIB até 2035 caso seja capaz de acelerar políticas, investimentos e modelos de negócio alinhados à descarbonização. O potencial movimenta indústrias, pressiona por maior segurança regulatória e amplia a importância estratégica de instrumentos como PPAs estruturados, autoprodução e projetos greenfield.

Para especialistas do setor, porém, o País vive um momento decisivo: transformar potencial energético em competitividade industrial dependerá de uma equação que combina infraestrutura, estabilidade jurídica, capital privado e integração entre agentes.

Vantagem estrutural do Brasil exige novos modelos para transformar energia em produtividade

O Brasil reúne condições únicas no cenário global: matriz elétrica altamente renovável, abundância de recursos eólicos e solares, capacidade hídrica complementar e crescente demanda global por produtos de baixo carbono. Esse conjunto, segundo agentes do mercado, cria uma oportunidade rara de reposicionamento econômico.

Entre as vozes que analisam essa mudança está Philipe Kilzer, diretor de operações estruturadas do Grupo Bolt, que reforça que o País precisa evoluir rapidamente em previsibilidade regulatória e instrumentos financeiros capazes de conectar geração, capital e indústria.

“O Brasil não precisa apenas produzir mais energia renovável. Precisa conectar infraestrutura, capital e indústria com modelos que deem estabilidade de longo prazo. Autoprodução greenfield, PPAs estruturados e financiamento privado serão os pilares dos próximos anos”, afirma Kilzer.

A leitura aponta para um ponto central da transição: energia renovável é condição necessária, mas não suficiente. Eficiência, gestão de riscos e estabilidade são tão importantes quanto a expansão da oferta.

Retornos econômicos podem ser multiplicados e reorganizar a geografia industrial do País

O estudo Itaú–FGV também quantifica os efeitos de encadeamento produtivo: cada real investido em energia renovável pode gerar R$ 1,57 em retorno econômico, impulsionando setores intensivos em energia e reforçando a reindustrialização verde. A perspectiva é especialmente relevante para o Nordeste, onde polos eólico-solares já vêm atraindo projetos industriais e redesenhando mapas logísticos.

Entretanto, para capturar esse movimento, será preciso enfrentar gargalos estruturais que travam a expansão da infraestrutura e elevam a percepção de risco de investidores e financiadores.

Curtailment, instabilidade regulatória e risco jurídico seguem como barreiras críticas

O primeiro grande obstáculo é o risco regulatório, agravado pelos episódios de curtailment, que impactam diretamente a previsibilidade de receita de empreendimentos renováveis. Para instituições financeiras, esse é um sinal de alerta que dificulta o fechamento de contratos e amplia o custo de capital.

Embora o veto presidencial à obrigatoriedade de autoprodução exclusivamente via greenfields tenha reduzido parte da incerteza jurídica, especialistas apontam que, na prática, a dinâmica de mercado permanece ancorada nos projetos novos. Isso ocorre pela escassez de ativos brownfield elegíveis e pela necessidade de adicionalidade, rastreabilidade e estabilidade contratual.

Greenfields seguem como o caminho dominante para segurança regulatória e financiamento

No entendimento de Kilzer, os projetos greenfield continuarão sendo a solução mais consistente para garantir previsibilidade no longo prazo, tanto para financiadores quanto para grandes consumidores industriais.

O executivo observa que o mercado caminha para uma nova fase, onde apenas agentes capazes de integrar engenharia, modelagem financeira, mitigação de curtailment e capital privado conseguirão entregar soluções completas com competitividade e segurança.

“Isso desloca o jogo competitivo: apenas players capazes de integrar engenharia, capital privado, mitigação de curtailment e modelagem financeira conseguem transformar greenfields em soluções viáveis no curto prazo”, destaca.

A partir dessa lógica, empresas como o Grupo Bolt passam a operar não apenas como financiadoras, mas como estruturadoras de arranjos que conectam produtor, investidor e consumidor industrial.

Modelos integrados passam a definir a competitividade da transição energética

A transição energética já entrou em escala, mas seu sucesso dependerá da capacidade do sistema econômico de alocar riscos de forma mais sofisticada, com PPAs estruturados, contratos de longo prazo, integração de infraestrutura e participação crescente do capital privado.

É nesse ambiente que Kilzer identifica uma janela estratégica: “A transição energética já escalou. Agora, quem conseguir integrar financiamento privado, infraestrutura e consumo industrial cria uma verdadeira vantagem competitiva. O Brasil pode liderar, mas só se acelerar essa conexão.”

COP30 reforça convergência entre clima, economia e indústria

O contexto internacional também pressiona o Brasil a avançar. A COP30 consolidou a agenda de descarbonização como eixo de competitividade global. No mercado doméstico, PPAs, autoprodução e projetos híbridos deixam de ser soluções complementares e passam a estruturar permanentemente a estratégia energética das empresas.

Kilzer reforça que, embora a discussão seja frequentemente associada ao meio ambiente, o debate central é econômico. “Energia limpa é um ativo estratégico. Ela reduz risco, atrai capital, aumenta produtividade e reposiciona a indústria brasileira no cenário global”, concluiu.

Com os avanços certos, o Brasil tem condições de transitar de exportador de commodities para protagonista da economia de baixo carbono, mas o tempo é um componente decisivo.